Vida Cristã

A Crença no “Deus na Barriga”

01/04/2017

Ross Douthat descreve a crença do “Deus na Barriga” num credo de quatro pontos:

O primeiro ponto dessa crença diz que a religião institucional é incapaz de exprimir a grandeza divina (e, logo, a experiência de cada um vale mais que o horror do dogma). O segundo ponto da crença do “Deus na Barriga” diz que Deus está em todo o lado, mas de preferencia aqui dentro “e somos bons porque naturalmente estamos pertinho dele”. O terceiro ponto da crença diz que Deus é de tal modo bom, que, em vez de se dar mal com o mal, faz as pazes com ele (e acreditar no bem e no mal sem distinções é próprio de pessoas num estágio religioso primitivo). O quarto ponto da crença do “Deus na Barriga” diz que aquilo que interessa fazer está constantemente ao virar da esquina ”e por isso já se pode viver o céu aqui”.

Por um lado, a fé no ”Deus da Barriga” bebe do hinduísmo e do budismo para dar fluência nos trechos em que o cristianismo parece avariado. Por outro lado, os crentes do ”Deus na Barriga” acham que parecem bem melhor e praticam melhor o que Cristo disse do que os próprios cristãos. Nesse caso, o cristianismo é preso por ter cão e por não ter — o cristianismo é mau porque diz o que não deve, e o cristianismo é mau porque não faz o que diz. Assim, o ”Deus da Barriga” aparece como o cristianismo revisto e devidamente atualizado.

Um dos segredos do sucesso do “Deus na Barriga” é o seu malabarismo com a imanência e a transcendência. Se o Deus tradicional parecia demasiado longe na sua santidade celeste, o ”Deus na Barriga” não poderia estar mais perto. A custa dessas proximidades imanente, o novo crente pode ser um verdadeiro místico sem ter de abdicar dos prazeres mais terrenos desta vida, juntando o louvor ao luxo.

A própria pessoa que adere a fé do “Deus na Barriga” está tão em sintonia com esses novos conceitos que não precisa cumprir regras. A própria pessoa é a regra que deve cumprir — vivemos para o conforto em quem somos e não para o confronto com quem somos. O mais importante é que nos sintamos satisfeitos na nossa pele. Se as velhas religiões exigiam que acreditássemos, esta nova só pede que sintamos.

O conceito de que precisamos de Jesus como Deus para nos salvar do pecado será sempre irrelevante para uma cultura que, antes ainda de ter deixado de acreditar em Jesus, deixou de acreditar no pecado. Se para amenizarmos a mensagem cristã, retirarmos a carga negativa do mal que somos e fazemos, destituímos ironicamente a mensagem cristã da sua respectiva esperança.

O fato é que se instaurou a era da autenticidade em triunfo implacável. O ego passou a ser sempre um grande ego. — o “Big Me”. O pecado foi expulso da razoabilidade contemporânea e, quando muito, o que temos de mais parecido com ele é o erro que encontramos nas tais estruturas sociais coletivas que são tidas como opressoras; o mal deixou de ser primeiramente uma coisa dentro de mim para passar a ser uma coisa fora de todos nós. As coisas más da vida deixaram de ser detectadas primeiro no interior de cada pessoa e passaram a ser detectadas quase exclusivamente naquilo que está no exterior. — o “Big Me” não suporta a ideia de que possa ser a fonte de águas contaminadas.

David Brooks lembra-nos de que não existimos para sermos felizes, mas para sermos santos. Ele diz: “a vida é essencialmente um drama moral, não um drama hedonista.” Lembra-nos que o caminho para o caráter não se faz sem uma compreensão profunda de que somos criaturas caídas: “sobrevalorizamos a nossa força e racionalizamos os nossos fracassos.” — a humildade é a característica maior: “A humildade é ter uma avaliação rigorosa da nossa própria natureza e do nosso lugar no cosmo.” — só se vive quando se luta contra o pecado: “A luta contra o pecado e pela virtude é o drama central da vida.” — quando se luta contra o pecado, ganha-se uma maturidade visível no fato de que ”a pessoa dá uma multidão de nãos em prol de uns poucos sins esmagadores.” — E isso se aplica à tal estética protestante: há muitos nãos a partir de uma quantidade pequena mas poderosa de sins.|

Trechos do livro: Cuidado com o Alemão – Tiago Cavaco, Editora Vida Nova.


 

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