Feminismo

Espiritualidade Feminista

15/09/2020
Uma Ideologia Política Que Atua No Campo Espiritual

O pensamento feminista contemporâneo é sem dúvidas impulsionado pela filosofia de Simone de Beauvoir. A famosa frase: “Não se nasce mulher: torna-se mulher”, em seu clássico O Segundo Sexo, chegou ao imaginário comum talvez como uma negação ao ser biologicamente feminino, quando na verdade foi uma crítica a concepção do homem como um sujeito ativo enquanto a mulher, segundo Beauvoir, seria apenas um sujeito passivo, por isso, o segundo sexo. Para esclarecer melhor esse conceito vale ressaltar que para a autora existe injustiça no fato de que ”homem” seja a palavra que designa tanto a parte masculina da humanidade e a humanidade inteira. Enquanto isso, a experiência feminina sempre foi declinada no singular. A mulher representa a mulher (ou as mulheres), mas nunca a humanidade por completo. Beauvoir destaca: “Ele é o Sujeito, é o Absoluto: ela é a Alteridade”. Essa afirmação não é diretamente sobre o ”gênero”, mas sobre a mulher, que para a autora, não era compreendida como ”um outro”, mas como uma subalternidade que só poderia se construir em relação ao sujeito ”homem”, em sua dependência.  Todos os enfoques teóricos que, com grande capacidade crítica, foram dissecando a obra de Beauvoir desde seu reconhecimento fez do feminismo contemporâneo um diálogo com seu livro inaugural: do feminismo da diferença de Carol Gilligan até a implosão do pensamento queer auspiciado por Judith Butler, passando pelo feminismo radical de Kate Miller, e o feminismo negro de Angela Davis e bell hooks; na realidade, não importa quantas pensadoras vieram depois, nem em quantos pedaços o movimento se fragmentou,  Simone de Beauvoir é a mãe.

É importante esclarecer essa questão antes de falar sobre espiritualidade feminista, porque o existencialismo humanista presente na filosofia de Beauvoir seguiu influenciando as feministas na década de 60 no campo acadêmico. Muitas ativistas seguiram negando qualquer representação espiritual já que havia uma forte influencia ateísta na teoria. A partir disso, na década de 80, outras teorias que questionam o gênero como construção social (teoria queer) foram surgindo e ganhando campo nos Estudos Femininos, categoria que nasceu nas universidades americanas para estudar o Feminismo e consequentemente o gênero, agora já não mais visto como biológico. Porém, ainda na década de 70, paralelo a tudo isso surgia o movimento New Age (Nova Era) e o Ecofemismo nasce com forte influencia do neopaganismo.

Nas décadas de 1960 e 1970, a Wicca se espalhou do Reino Unido para outros países de língua inglesa, tornou-se associada aos crescentes movimentos feministas e ambientais e se dividiu em várias “tradições”. Como a força do movimento feminista foi se intensificando no campo acadêmico e nas militâncias de rua, esse lado místico ficou como pano de fundo, mas sempre esteve lá.

Nos anos 90 a ativista feminista Carol Adams escreveu: A política sexual da carne, o livro fala de uma suposta estreita ligação entre a dominância masculina – e a consequente cultura de violência contra a mulher – e o ato de comer carne, reforçando assim, a teoria ecofeminista também no ativismo político.

Vandana Shiva, influente ativista do ecofeminismo, afirma que as mulheres têm uma conexão especial com o meio ambiente através de suas interações diárias e esta ligação tem sido ignorada. Ela diz que as mulheres em economias de subsistência que produzem “a riqueza em parceria com a natureza, tem sido especialistas em seu próprio direito sobre o conhecimento holístico e ecológico dos processos da natureza.” No entanto, ela afirma que “estes modos alternativos de saber, que são orientados para os benefícios sociais e necessidades de sustento não são reconhecidos pelo paradigma reducionista capitalista, porque ele não consegue perceber a interdependência da natureza, ou a conexão da vida das mulheres, o trabalho e conhecimento com a criação de riqueza.” Já a ecologista social e feminista Janet Biehl criticou o ecofeminismo por se concentrar demais em uma conexão mística entre as mulheres e a natureza e não o suficiente sobre as condições reais das mulheres. Rosemary Radford Ruether, teóloga católica feminista, junta-se a Janet Biehl em criticar esse foco no misticismo sobre o trabalho que se concentra em ajudar as mulheres, mas argumenta que a espiritualidade e ativismo podem ser combinados de forma eficaz no ecofeminismo.

Em 2018 o pesquisador Joe Carter afirmou que muitas mulheres estão sendo influenciadas pela política feminista para participarem da Wicca, segundo o pesquisador o movimento feminista está fortalecendo a bruxaria. Joe começa explicando que a feitiçaria refere-se à cosmovisão:

Religião e práticas associadas ao uso de rituais que são acreditados para aproveitar e focar energias cósmicas ou psíquicas para trazer alguma mudança desejada.

Ele ainda diz: “A feitiçaria moderna é o maior e mais comum subconjunto do neopaganismo, um grupo diverso de movimentos religiosos que afirmam ser derivados de religiões pagãs históricas”. Um número crescente de mulheres jovens, impulsionadas pela política feminista, estão sendo atraídas para uma nova onda de feitiçaria, de acordo com um relatório da NBC News. “Dentro do movimento de avivamento de bruxaria, o maior subconjunto é a Wicca.” O American Religious Identification Survey de 2008 estimou que nos Estados Unidos havia cerca de 600 mil neopagãos, com cerca de metade se identificando como wiccanos. Algumas estimativas concluem que em 2017 havia mais de 3 milhões de praticantes wiccanianos , ressalta o pesquisador.

No Brasil, o Círculo de Mulheres Ísis-Afrodite em Belém, Pará é um desses espaços de comunhão onde se desenvolve uma sociabilidade feminina, informada pela cosmovisão da religião Wicca, porém desprendida de uma religião em particular, já que a participação no círculo não é restrita a mulheres wiccanianas.

Sagrado Feminino, Círculo de Mulheres, culto às deusas, Wicca, neopaganismo… Tudo isso são formas de vivenciar a espiritualidade excluindo o monoteísmo cristão. Em um dos livros que iremos ler no Grupo de Estudos Não Existe Feminista Cristã 2020, a autora bell hooks destaca:

O feminismo tem sido e continua a ser um movimento de resistência que valoriza a prática espiritual.

Com a ascensão das filosofias políticas no Ocidente e a constante crítica ao Cristianismo como sendo um meio de opressão, a busca pela espiritualidade tornou-se mais diversificada e nem sempre ligada a uma instituição religiosa, sendo o feminismo um coletivo com forte filosofia política anticristã isso consequentemente acabou gerando um movimento de resgate do papel e do lugar das mulheres na História das religiões. hooks destaca:

Para mudar a forma como adoramos, era necessário visionar novamente a espiritualidade. As críticas feministas da religião patriarcal coincidiram com uma mudança cultural geral para a espiritualidade da nova era. No hinduísmo, no budismo, no vodu e em diversas tradições espirituais, as mulheres encontraram imagens de deidades femininas que permitiram o retorno a uma visão de uma espiritualidade centrada na deusa… Desafiando contrariar a noção de nosso salvador como sempre e apenas o masculino.

Nesse sentido, a sacralidade do feminino aponta para busca de empoderamento e conscientização das mulheres sobre si mesmas, seus ciclos corporais e menstruais, sua conexão com a natureza, seu papel na História com figuras femininas de referência, as características que lhes seriam comuns e partilhadas. Nesse contexto, representações de distintas tradições mitológicas, religiosas, filosóficas e culturais, além de figuras históricas, são resgatadas e colocadas lado a lado, como forma de gerar referências femininas atemporais: Diana, Afrodite, Atena, Iemanjá, Mãe Terra, Lua, Deusa Tríplice, etc. Mulheres históricas ou míticas que oferecem uma possibilidade de representação arquetípica.

A polêmica professora acadêmica, doutora em antropologia Daniela Cordovil sugere que nessa Nova Era a humanidade passa a identificar a supremacia do masculino e a mentalidade patriarcal como predadora do meio ambiente, propondo um “resgate do feminino como elemento primordial da conexão com o sagrado”.

O conceito do Eterno Feminino, linguagem esotérica para o deus Mãe, é presente no ocultismo e aparece em diferentes civilizações antigas, como no Egito por exemplo, as sacerdotisas do amor eram profundamente respeitadas e orientavam o povo. A ideia de que a mulher é a expressão mais direta deste princípio divino e misterioso que cria a vida, a amamenta, cuida e direciona no caminho da existência trouxe o conceito de que a mulher porta um poder de criar que a torna um ser muito especial. O eterno feminino é um arquétipo psicológico ou princípio filosófico que idealiza um conceito imutável de “mulher”. É um componente do essencialismo de gênero, a crença de que homens e mulheres têm “essências” centrais diferentes que não podem ser alteradas pelo tempo ou pelo ambiente. O ideal conceitual era particularmente vívido no século 19, quando as mulheres eram frequentemente retratadas como angelicais, responsáveis ​​por atrair os homens para um caminho moral e espiritual.

O conceito de “eterno feminino” (alemão: das Ewig-Weibliche) foi particularmente importante para Goethe, que o introduziu no final de Fausto, Parte 2. Para Goethe, “mulher” simbolizava a contemplação pura, em contraste com a ação masculina, paralela às descrições taoístas orientais de Yin e Yang. O princípio feminino é ainda articulado por Nietzsche dentro de uma continuidade de vida e morte, baseada em grande parte em suas leituras da literatura grega antiga, uma vez que na cultura grega tanto o parto quanto o cuidado dos mortos eram administrados por mulheres. A domesticidade e o poder de redimir e servir de guardião moral também eram componentes do “feminino eterno”. As virtudes das mulheres eram inerentemente privadas, enquanto as dos homens eram públicas. Um dos aspectos mais interessantes da obra de Simone de Beauvoir é a tentativa de desconstrução da teoria do “eterno feminino”. A partir de uma análise da primeira parte da obra O Segundo Sexo, denominada “Fatos e mitos”, é possível verificar todo o trabalho de Beauvoir na tentativa de efetuar uma desconstrução da ideia vigente de “ideal feminino” elaborada pelas históricas tradicionais formas de poder.

Se existe uma essência feminina esta essência seria secretada pelos ovários? Ou teria apenas uma característica cultural?

Apesar do Cristianismo ser alvo de ataques do feminismo, foi através do conceito de pecado: “todos pecaram e destituídos estão da Glória de Deus” (Romanos 1:21-23), que mulheres e homens foram colocados em igual estado de queda. No Cristianismo a mulher não é vista como um ser especial porque pode gerar uma vida, porque a vida é apresentada como um dom divino (Gn 2:7), concebido apenas por Deus, isso é evidente na história que dá início ao patriarcado judaico onde Sara já em idade avançada, depende de um milagre para conceber o filho da promessa. Agar não foi incluída na Aliança que Deus havia feito com Abraão mesmo tendo gerado um filho do patriarca, isso deixa claro que Sara também fazia parte do propósito. A Escritura retrata a Aliança de Deus com os homens não baseada em gênero, mas em Sua Soberania e Providencia.

O foco não é a criatura, mas o Criador

O filho da promessa foi prometido para Abraão, mas também à Sara, uma mulher velha e estéril, o “ser mulher” para Deus, assim como o ser homem, não é prioridade porque apesar de ter-nos criado com especificidades particulares e nos dotado de características distintas e abençoadas, nossa natureza foi comprometida pelo pecado e necessitamos de Sua Graça Restauradora. Nossa essencialidade só faz sentido Nele. Abraão e Sara foram escolhidos para que os propósitos do Pai Criador fossem realizados, não para que um ou outro se tornasse essencial. É dessa escolha divina que nasce o patriarcado que mais influenciou o mundo, e a essência dele está em Deus. Tudo, desde o início apontava para Jesus, o Cristo: Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém. (Romanos 11:36)

O gênero, tão importante na filosofia feminista, na Escritura, exerce sempre um papel secundário. Homens e mulheres são igualmente criados a imagem semelhança de Deus, são igualmente pecadores caídos e igualmente dependentes da Graça restauradora do Pai. Sim há uma ordem natural, e isso é expresso na ordem do lar, no casamento que reflete a relação de Cristo com Sua Igreja. Já em Cristo, onde todos são Igreja, o Apóstolo Paulo diz que: “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gl.3:28)

Na Bíblia não há um padrão de mulher, nem mesmo um padrão de homem, todos são retratados com defeitos e pecados, só há um que nunca falhou e que nunca pecou, Ele é o próprio Deus a quem todos devem servir e imitar. Mas o feminismo rebela-se contra Deus, é a criatura em guerra com seu Criador.

 …não pode haver uma transformação feminista de nossa cultura sem uma transformação em nossas crenças religiosas. bell hooks

Enquanto a maior parte das feministas luta contra a Bíblia Sagrada, que consideram “machista” e “patriarcal”, as “feministas cristãs” insistem que se interpretada apropriadamente, ela pode ser uma ferramenta para promover a emancipação das mulheres. “Une bible des femmes” (Uma bíblia das mulheres), livro publicado recentemente pela editora suíça Labor et Fides, possui comentários das mulheres sobre o livro sagrado, resultando em uma espécie de reescrito da Bíblia do século XXI em 287 páginas. A obra reúne os pensamentos de 20 teólogas francófonas, protestantes e católicas, da Europa, Ásia e Quebec, no Canadá, que segundo elas, representam o ponto de vista de Maria, mãe de Jesus, através de temas sobre corpo, sedução, subordinação e maternidade. Uma nítida influencia do humanismo cósmico que promoveu uma mentalidade neopagã ocultista.

“Aproveitando as descobertas dos estudos bíblicos e graças ao feminismo crítico, as autoras desenvolvem uma dúzia de temas relacionados a mulheres e evidenciam que os textos bíblicos podem ser lidos com nova ousadia”, escreve a apresentação da publicação, dirigida pelas professoras Elisabeth Parmentier, Pierrette Daviau e Lauriane Savoy.

Na Alemanha, uma publicação pouco conhecida no Brasil tem chamado atenção da população nos últimos anos, especialmente dos teólogos cristãos, se trata de uma bíblia feminista elaborada a partir dos textos hebraicos e gregos, por 52 especialistas em bíblia, sendo 42 mulheres e 10 homens. No texto, Deus é chamado de “A Eterna”, ‘Ele” ou “Ela”. Até a oração do Pai Nosso foi modificada para “Pai e Mãe do céu…”

Segundo o texto promocional da bíblia feminista“Se você mulher quer se sentir incluída na Bíblia, ou não quer mais dizer ” Senhor ” a Deus, ou quiser trabalhar com uma tradução que é justa com gêneros e justa com interpretações anti-judaicas, esta Bíblia é para você”, diz o trecho, convidando o publico feminino para uma suposta “inclusão”.

Bíblia feminista “in gerechter Sprache”, ou simplesmente “Bíblia numa linguagem mais justa”, como chamam seus idealizadores, tem por objetivo desconstruir o que para as feministas são textos “patriarcais”, isto é; influenciados pelo sexo masculino. Segundo elas, termos como “Senhor”, “Deus” e até mesmo “Filho de Deus” não fazem justiça a igualdade de gênero, pois refletem uma ideia de exclusão do sexo feminino.

“Uma das grandes idéias da Bíblia é a justiça. Nossa tradução faz justiça às mulheres, aos judeus, aos desfavorecidos”, disse a coordenadora do projeto, Hanne Koehler.

Vale destacar que para o Dr. John M. Frame, professor do Seminário Teológico de Westminster, especialista em Teologia Sistemática, a grande ênfase de referências bíblicas para Deus no gênero masculino, como “Juiz”, “Rei” e “Senhor”, não é fruto do “patriarcado” cultural da época, uma vez que os escritores do Antigo Testamento, por exemplo, viviam num contexto onde deidades femininas eram reverenciadas, como citado em Jz 10:6; 1 Sm 7:4; 12:10. Ashtoreth, por exemplo, foi adorada pelos cananitas como esposa de Baal. Sendo assim:

A junção de deidades masculinas e femininas foi um aspecto importante da adoração de fertilidade pagã. Assim, ao escrever sobre Yahweh, os escritores do Antigo Testamento não escolheram uma linguagem masculina irrefletidamente (…) não foram influenciados por um unânime consenso cultural. Antes, eles claramente rejeitaram qualquer adoração de uma deusa ou de uma junção divina.

O que o Dr. Frame está dizendo é que seria muito mais fácil a aceitação do Deus hebraico, e consequentemente do próprio povo hebreu, se Ele tivesse sido divulgado, também, como uma “deusa”. Todavia, ao apresentá-lo como Yaweh, os escritores reforçam o conceito de inspiração e revelação bíblica. Ou seja, foi o próprio Deus quem, de fato, se revelou assim.

Não por acaso, a “bíblia feminista” substitui os trechos “obedecer a Deus” por “escutar a Deus” e “Senhor” por die Lebendige, no alemão, ou “Vivente”, retirando assim a atribuição de senhorio de Deus e do gênero masculino associado a Ele da relação entre o Senhor e suas criaturas. Ou seja, com isso elas pretendem negar a função de liderança dos homens, na família (Efésios 5:22-26), associadas ao senhorio de Deus para com sua criação.

Com base nisso, explica o Dr. Frame:

Na Escritura o principal nome de Deus é Senhor, que indica Sua liderança nas alianças, entre Si e as Suas criaturas (…) Um desvio para a figura feminina de Deus poderia certamente diluir a sólida ênfase sobre a autoridade pactual que é centralizada na doutrina de Deus.

O que fica claro em toda história do feminismo contemporâneo é que a ideologia está em constante conflito com a fé cristã. Neopaganismo, ocultismo e Nova Era são as alternativas espirituais para um coração obstinado. As filosofias políticas são uma alternativa ao Cristianismo, e muitas delas trabalham insistentemente para subverter princípios fundamentais da fé em Cristo.

Toda alma têm sede, e o Feminismo como uma alternativa a Água da vida, oferece atalhos para poços com águas contaminadas.

Era-lhes necessário passar por Samaria. João 4:4

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