No campo epistemológico, no século XVIII, ocorria na Europa um movimento intelectual denominado Iluminismo. Resumidamente: a razão (luz) contra o antigo regime (trevas). O movimento tinha o apoio da burguesia (donos de empresas, terras, comércio), portanto, pregava maior liberdade econômica e política também.
- Desde que Voltaire se enamorou da física newtoniana durante sua visita à Inglaterra na terceira década do século XVIII, os pesadores do iluminismo aspiravam a criar um substituto da ordem social cristã baseado em princípios “científicos”. “Os homens”, escreveu o Barão de Holbach em seu influente tratado, o sistema da natureza, “são infelizes na medida que se enganam com sistemas imaginários de teologia”. Foi a partir de afirmações como esta que o programa revolucionário do século XVIII nasceu, já que o homem, se é infeliz por causa da religião, alcançaria a felicidade automaticamente ao aboli-la. Mas a execução do projeto exigiria que os tronos que protegiam a religião também fossem abolidos. JONES. Libido Dominandi, pg.22
As críticas do movimento ao Antigo Regime eram em vários aspectos:
- Mercantilismo (intervenção do Estado no mercado comercial);
- Absolutismo monárquico;
- Poder da Igreja e as verdades reveladas pela fé.
Com base nesses três pontos, o Iluminismo defendia:
- Liberdade econômica;
- Antropocentrismo;
- Predomínio da burguesia e seus ideais.
Diversas revoluções ocorreram por toda a Europa. As razões dessa instabilidade estão ligadas as mudanças sociais, econômicas, políticas e porque não dizer, espirituais; já que o homem vinha desde o século XV (humanismo) buscando autonomia dos absolutos divinos e tentando encontrar em si mesmo justiça e moralidade em nome da felicidade.
Nesse cenário surge:
- Liberalismo, que teve seu desenvolvimento ligado a revolução francesa e o desejo burguês de eliminar a intervenção estatal sobre a economia;
- Nacionalismo, que era uma necessidade de unificar as nações para se proteger da influência externa de países já unificados e garantir uma independência política e econômica;
- Socialismo, que pregava a igualdade jurídica, econômica e sexual dos cidadãos, eliminando a propriedade privada dos meios de produção.
É importante destacar que quando as ideias revolucionárias surgem na intenção de subverter a ordem até derrubar “o último trono e altar”, junto as questões políticas, a subversão sexual, através da influência de várias figuras da época, cujo nome que mais se destaca é o Marquês de Sade, avança significativamente como um componente amistoso da Revolução Francesa.
Um número considerável dos principais pensadores revolucionários possuía as maiores coleções de pornografia em suas bibliotecas pessoais. Rèfit de la Bretonne [Nicolas – Edme Rètif], que introduziu a palavra “comunista” na França, veio a público com o seu romance pornográfico, Le Pied de Franchette [O Pé de Franchette] (1769). Seria o nacionalismo revolucionário, em vez de comunismo, que se infiltraria na França a partir de 1790. Porém, esse nacionalismo era expressão da vontade humana de domínio.
- A combinação de pornografia e política não era uma nota de rodapé estendida caracterizando uns poucos excêntricos. A figura revolucionária de Louis Antonie de Saind Just (1767 – 1794) não raro clamava por uma nova ordem social, indo muito além de Jean Jacques-Rousseau, ordem esta que se pautava exclusivamente na natureza. Ele desejava ser completamente livre a fim de entregar-se por inteiro a toda sorte de desejo natural. Porém, a Dama Natureza não era somente uma mera guia para a diretriz racional; antes era também a própria encarnação do prazer romântico. EDGAR. Política da Pornografia, pg.13
Segundo Rushdoony o pensamento iluminista e suas ideias revolucionárias afetaram a forma e a ordem das leis e da cultura da sociedade ocidental. A filosofia pornográfica do homem, a visão do mundo e da vida que declara o grosseiro e o vulgar como bons e até mesmo acolhe-os como um caminho “superior”, propaga uma visão específica do indivíduo, da moralidade e da vida. Os “pornográficos modernos” reivindicam o fundamento moral superior e apontam um dedo acusador para a ética cristã.
“Não há queda do homem tal como declarado nas Escrituras”. Sade
No livro Política da Pornografia (pg.97), o autor destaque que “no esquema sadeano, o Estado tem uma função: deve desmantelar toda a lei e toda a religião (todas com exceção da adoração à natureza). Durante o Reino do Terror (Revolução Francesa), Sade e outros ateus propuseram uma nova religião das Virtudes que celebrava o triunfo da filosofia com ‘um altar à mais amada Divindade do Coração: a Razão substituiu Maria nos templos’.” – Segundo o autor, para apressar a destruição da religião, o instrumento escolhido foi: a educação estatista. Escolas não cristãs de um Estado não cristão erradicariam o Cristianismo. A abolição de todas as leis baseadas nas premissas bíblicas criaria uma população entregue ao prazer, totalmente egocêntrica e sensual, e assim absolutamente livre de Deus.
Na Inglaterra, Godwin, um homem que abandonou a fé cristã em nome de ideais iluministas, se dedica a escrever sobre “princípios subjacentes”, o projeto significava a desvalorização de tudo que antes era considerado sagrado pelo homem. Em particular, os laços familiares e a religião deveriam ser descartados em favor de uma objetividade. Os conservadores o criticaram pela erosão da moral, e os radicais como Percy Shalley, o revolucionário romântico, o elogiaram pela mesma razão.
- […] a Revolução Francesa é a mais espantosa que aconteceu até agora no mundo. As coisas mais surpreendentes foram produzidas, em mais de um caso pelos meios absurdos e ridículos; nos meios mais absurdos e ridículos, e, aparentemente, pelos mais vis instrumentos. Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade e ferocidade, onde todas as espécies de crimes misturam-se com todas as espécies de loucuras. BURKE. Reflexões sobre a Revolução da França.
Foi nesse contexto que o documento fundador do pensamento político conservador, segundo Russell Kirk, nasceu. Edmund Burke escreveu o livro Reflexões sobre a revolução na França; definido pelo historiador Alfred Cobban como o “maior e o mais influente panfleto político jamais escrito, e uma contribuição clássica para a teoria política da civilização ocidental”. Em resposta, surge a publicação: Uma defesa dos direitos dos homens, escrita por Mary Wollstonecraft, a autora ganhou fama nos círculos literários londrinos, como outros literários dissidentes, ela fora profundamente afetada pelos eventos recentes na França.
Em critica direta a Burke, Wollstonecraft é incisiva em dizer que: “a segurança da propriedade privada” era a motivação principal do inglês em atacar a Revolução. Nitidamente influenciada pelo pensamento iluminista, como continuação do seu sucesso no ataque a Burke, a autora escreveu a ainda mais polêmico Defesa dos direitos das mulheres.
Thomas Holcroft, outro membro do círculo literário londrino, escreveu um romance intitulado Anna St. Ives, que Wollstonecraft resenhou após seu lançamento. Se a França podia depor um rei, será que um homem precisava permanecer casado com uma mulher da qual já se casara? Essa foi a ideia lançada no livro em questão.
A mulher que chegara a escrever em carta a sua irmã sobre a renúncia e a recompensa num céu onde não havia casamentos e noivados foi arrebatada pela crescente convicção de que todos os arranjos sexuais previamente inconcebíveis agora seriam possíveis.
- SERIAM ELAS AS PRIMEIRAS FEMINISTAS?
É importante destacar a participação popular feminina na Revolução Francesa, o famoso protesto contra a escassez e o preço do pão (Marcha a Versalhes). Encabeçadas por vendedoras de peixe de Paris, cerca de 7 mil mulheres, armadas de facões de cozinha, lanças rústicas, machados e dois canhões, marcharam seguidas por soldados da Guarda Nacional e outros homens. Mas tarde surgiram militantes que se organizam de forma política, a Sociedade das Cidadãs Republicanas Revolucionárias, que tinham uma agenda ”terrorista”, lutavam por medidas políticas radicais. Neste mesmo período o nome da artista Gouges se destaca, uma girondina, isto é, uma mulher de perspectiva burguesa liberal, As mulheres girondinas, oriundas da classe média privilegiada e de famílias burguesas, não tinham os mesmos interesses imediatos das mulheres dos bairros pobres de Paris.
Olympe de Gouges superou uma paternidade questionável como filha ilegítima do marquês de Pompignon, e depois um casamento contra sua vontade aos dezesseis anos, e conseguiu arrumar para si um lugar na aristocracia francesa. Nos anos de 1780, ela começou a escrever peças e a publicar panfletos políticos que desafiavam a autoridade masculina na sociedade. Também abordou os males do tráfico de escravos. Com sua Declaração dos direitos da mulher cidadã, De Gouges foi uma das primeiras a propor um argumento persuasivo em favor da plena cidadania e dos direitos iguais para as mulheres francesas – no novo contrato de casamento que ela propunha, a ênfase principal foi colocada sobre a questão da propriedade. No final da Declaração, Gouges argumenta em favor do “fortalecimento do rei no seu trono”, o que a caracterizou como inimiga da Revolução, levando-a a ser executada na guilhotina pelos jacobinos (corrente política oposta aos girondianos).
Outros dois trabalhos chaves de Olympe são: Carta para as pessoas, ou projeto para um fundo patriótico (1788); A Necessidade do divórcio (1790).
Todos os clubes femininos do país, incluindo a Sociedade das Cidadãs Republicanas Revolucionárias, foram extintos por conta de um grave conflito que envolveu um grande grupo de mulheres e terminou em agressões físicas. A briga entre as vendedoras de peixes e as militantes foi o que levou as mulheres a serem silenciadas e confinadas ao lar. Ou seja, na França as próprias mulheres levaram ao fim sua luta. Segundo a historiadora Morin as francesas só ascenderam aos ”direitos cívicos” em ouro momento, após a Segunda Guerra Mundial.
“Ela foi criada para ser o brinquedo dos homens, seu chocalho, e deve retinir em seus ouvidos sempre que, não importando a razão, ele quiser ser entretido.” Mary Wollstonecraft
Em Londres, ainda no contexto da Revolução, filha de um pai agressivo e esbanjador, Mary Wollstonecraft se destaca por ser altamente autodidata. Após a falência do pai, começou uma escola no noroeste de Londres, quando a escola faliu, ela se tornou governanta da família do lorde Kingsborough, uma posição que odiava e que resultou em seu primeiro escrito: Pensamentos sobre a Educação das filhas (1787). Em 1792, foi para Paris, onde conheceu Gilbert Imlay, com quem teve uma filha, Fanny. O relacionamento com Imlay foi um fracasso e Wollstonecraft lhe escrevia cartas desesperadas como resultado da depressão em que se viu afundada, pois Imlay foi infiel e o romance terminou. Após seu retorno ao Reino Unido, tentou cometer suicídio. Em 1792 escreve: Reivindicações dos direitos das mulheres. – O que Mary criticava? Ela via um problema no romance cor-de-rosa que estava associado às mulheres, porque justificava de alguma forma a dependência do homem e as impedia de pensar. Ela defendia uma educação racional, para educar as meninas cedo e permitir que tivessem as mesmas oportunidades que os homens. Para a autora as habilidades da mulher não eram uma causa de sua natureza, mas residiam no próprio sistema e, mais especificamente, na educação recebida.
Já que a revolução sexual está inextricavelmente ligada à revolução política, não é surpreendente que a Revolução Francesa devesse estimular as mentes revolucionárias inglesas a pensar sobre uma mudança em suas vidas pessoais. Mary chegou a propor ao artista e escritor Henry Fuseli[1] que abrisse seu relacionamento com sua esposa e, assim, vivessem os três juntos, as consequências dessa proposta foram muito duras. Wollstonecraft teve dificuldade em superar sua decepção amorosa, por isso, escreveu inúmeras cartas e tentou cometer suicídio pela segunda vez. Em 1796, publicou uma obra em que relembrou uma de suas viagens: Cartas escritas na Suécia, Noruega e Dinamarca. Ela fez esta viagem com a intenção de recuperar Imlay, mas descobriu que tudo estava perdido. Nesta obra, refletiu sobre várias questões sociais e até sobre sua própria identidade e a relação do “eu” com o mundo. Reivindicou novamente a liberdade e a educação das mulheres e, finalmente, aceitou que sua história com Imlay havia terminado. Em 1797 se casou com Godwin, mas morreu no fim daquele ano, dez dias depois de dar à luz a filha, Mary, que mais tarde escreveria o romance Frankesnstein como Mary Shelley (sobrenome de seu amante).
As paixões, em outras palavras, eram politicamente necessárias para mover as massas inertes para a Revolução.
Alguns anos mais tarde. as mulheres já na função de operárias (proletárias), no chão das fábricas começam a se destacar em busca de melhores condições de trabalho e salários mais justos. O Socialismo ganhou força no que diz respeito a luta dessas mulheres no campo político, porque além de defender uma valorização do trabalho, também defendia uma nova sociedade igualitária, de trabalho cooperativo, incluindo igualdade entre os sexos por meio da liberdade sexual das mulheres.
- AS IDEIAS SOCIALISTAS
A grande maioria das pessoas sempre dependeu do trabalho para sobreviver, seja na condição de escravo, seja na administração de suas terras, bens ou comércio. As Revoluções burguesas e, posteriormente, o desenvolvimento da indústria fizeram nascer o proletariado, um novo modelo de trabalhador, cada vez mais numeroso à medida que o capitalismo se desenvolvia.
- A dura situação de vida do novo proletariado o leva a estruturar suas reinvindicações mediante a união nas associações, nos sindicatos e, numa etapa mais adiante, nos partidos políticos. Foi um longo aprendizado: primeiro, as lutas específicas por melhores condições de vida, depois os primeiros levantes, as sublevações, até culminar com a Comuna de Paris, expressão maior do desejo de libertação do proletariado do jugo da burguesia… Dessa forma, das próprias entranhas do Capitalismo nascia sua antítese, a classe operária, agora experimentada e contestando a ordem burguesa. – [Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, pg.11]
As novas ideias na sociedade vindas da epistemologia, juntamente com as lutas sociais realizada pela população, possibilitou um conjunto de manifestações teóricas reivindicando uma nova sociedade. Nos séculos XVI e XVII surgiram as primeiras descrições utópicas da sociedade e no século XVII as teorias socialistas.
“A igualdade não deveria mais limitar-se aos direitos (…) era preciso não só abolir os privilégios de classe, mas os antagonismos de classe”. Friedrich Engels
Para Engels o socialismo moderno é filho dos princípios formulados pelos filósofos franceses do século XVIII (Iluminismo), que ousadamente submeteram à crítica todos os fundamentos da sociedade: religião, ciência, governo, tudo foi submetido ao tribunal da razão para poder justificar sua existência. “A razão tornou-se suprema regra de tudo”. Ou seja, para esses filósofos, toda verdade material em contradição com a razão deveria ser subvertida.
Com a Revolução Industrial vieram as transformações sociais, o êxodo rural aumentou os cortiços urbanos e uma nova realidade se instaurou. É nesse cenário que mulheres e crianças (de até 6 anos) passam a ser mão de obra nas fábricas ao lado dos homens. Com salários baixos, toda a família do operário era obrigada a trabalhar.
- A princípio os donos de fábricas compravam o trabalho das crianças de orfanatos; mais tarde, como os salários do pai e da mãe não eram suficientes para manter a família, os filhos foram obrigados a trabalhar em fábricas ou minas. [SALVIANO, Vozes Femininas no Avivamento. pg.24]
Para os desafortunados até hoje o trabalho é uma necessidade desagradável, em geral eles têm boa razão para pensar assim; quem já visitou uma fundição ou uma mina é capaz de entender. Embora as condições de trabalho nas fábricas tenham melhorado e deixado o ambiente de produção mais justo nos últimos séculos, durante a Revolução Industrial o cenário era bem diferente, as jornadas eram exaustivas, os ambientes ofereciam péssimas condições e os salários eram realmente, baixos. A mão de obra feminina e infantil era a menos remunerada, portanto, havia mais procura para que ambos ocupassem o chão das fábricas. Quanto mais mão de obra, maior a concorrência, portanto, naturalmente, os homens passaram a ver as mulheres no mercado de trabalho como concorrentes. Sindicatos e associações começam a surgir para atender os interesses de cada sexo dentro do proletariado.
- SOCIALISMO UTÓPICO
Entre os principais socialistas utópicos, podem ser destacados os três mais importantes:
- Saint-Simon
- Charles Fourier
- Robert Owen
Eram considerados utópicos porque não propunham a libertação de uma determinada classe, no caso a classe operária, mas de toda humanidade. Vislumbravam uma ordem social ideal, sem aderência às condições do capitalismo em que viviam. Na verdade, suas ideias correspondiam ao tempo em que a burguesia e o proletariado estavam ainda nos seus primórdios.
Vejamos o que esses três percursores do Socialismo pensavam:
Saint-Simon estabeleceu uma visão inteligente da sociedade, cujas ideias podem ser consideradas o embrião do pensamento socialista. Ele defendia que os homens deveriam trabalhar, uma vez que somente os que trabalham podem usufruir os bens da sociedade. Advogava a necessidade da luta daqueles que trabalhavam contra os ociosos e via a Revolução Francesa como uma luta de classes, uma grande descoberta.
Já Fourier fez dura crítica à sociedade capitalista e às condições sociais existentes, desmascarou a burguesia, descreveu a miséria material e moral do mundo burguês, descobriu que a pobreza nasce da superabundância dos ricos e expôs as trapaças e as rapinagens do comércio francês de sua época. Foi também um pioneiro na defesa dos direitos da mulher: “em determinada sociedade, o grau de emancipação geral pode ser medido pelo grau pela emancipação da mulher”.
- Mas aquele que não só teorizou sobre o socialismo utópico, como buscou praticá-lo nas empresas onde trabalhou, nos empreendimentos que liderou, foi Robert Owen. Ele viveu no período de desenvolvimento do capitalismo e pôde ver de perto as aglomerações dos proletários nos cortiços da cidade, as jornadas excessivas de trabalho, o trabalho das mulheres e crianças e a degradação moral do proletariado. [Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, pg.12]
Paralelo a desordem social, a moral atingia o ponto mais baixo:
- Acentuado o estado de desorganização social […], proliferavam também certos desregramentos de conduta, expressos na exploração da prostituição, no alcoolismo, na criminalidade a que se expunha jovens e até mesmo crianças. [SALVIANO, Vozes Femininas no Avivamento. pg.28]
As ideias iluministas, fizeram as palavras de Rousseau atuar como premissa de uma série de conjuntos de pensamentos que desencadearam lutas e reivindicações tanto de homens e mulheres da burguesia, como de homens e mulheres do proletariado. O fato de o filósofo francês considerar as mulheres naturalmente mais fracas e menos racionais do que os homens e, portanto, dependentes deles, motivava outros pensadores a reconhecer publicamente as capacidades intelectuais das mulheres e impulsionava o apoio de homens ao objetivo de mulheres que buscavam conquistar direitos iguais.
- SÃO-SIMONISMO
Em todo mundo, o século XIX foi marcado por grandes acontecimentos históricos e políticos, como guerras, disputas de poder e declarações de independência.
No ano de 1848, as várias novas correntes políticas que surgiam em todo o Velho Mundo se mostraram decididas a dar fim ao regime monárquico. Em linhas gerias, o contexto político europeu se via tomado não só pelas propostas liberais oriundas da experiência francesa, mas também contou com a ascensão das tendências nacionalistas e socialistas.
Um pouco antes que tais levantes acontecessem, entre os anos de 1846 e 1848, uma sequência de péssimas colheitas provocou uma crise econômica responsável pela elevação súbita do preço dos alimentos. Concomitantemente, a queda no consumo dos produtos industrializados motivou a demissão de operários nos centros urbanos. De fato, toda a economia capitalista europeia enfrentava um delicado processo de estagnação que daria origem aos levantes que marcaram a chamada “Primavera dos Povos”.
Vários movimentos utópicos surgiam na Europa. O são-simonismo floresceu na França na primeira metade do século XIX, inspirado por ideias do aristocrata francês Henri de Saint-Simon, o movimento defendia uma ‘’união de trabalho’’, na qual todos cooperariam para vantagens mútuas e iguais, em um mundo cada vez mais tecnológico e científico.
Em 1816, Simon publicou “I’Industrie”, o primeiro de vários ensaios declarando que a felicidade humana está em uma sociedade produtiva baseada em igualdade verdadeira e trabalho útil.
Os são-simonianos promoviam um estilo de vida comunitário, livre da “tirania do casamento”, no qual os princípios femininos de paz e compaixão substituíram os valores masculinos, mais agressivos.
- Gravuras satíricas da época mostravam homens são-simonianos fazendo tarefas domésticas e usando espartilhos, enquanto as mulheres assumiam o que eram considerados tarefas masculinas, como caçar e fazer discursos. LIVRO DO FEMINISMO; pg.36
Suzanne Voilquin, uma bordadeira francesa que resolveu viver de forma independente, depois da separação amigável do marido, desejava ser um exemplo para outras mulheres e também advogava a causa são-simoniana, o que acreditava ser urgente, uma vez que a Revolução de Junho de 1830 não fizera nada para alterar a sorte do proletariado. A própria Voilquin passa por dificuldades depois da revolução, quando um declínio na venda de artigos de luxo afetou seu trabalho como bordadeira, o que a deixou por um período desempregada.
Filha de um chapeleiro, Suzanne nasceu em Paris, em 1801. Ela teve um início de vida confortável, mas ansiava pela educação a que seus irmãos tinham acesso. Quando a falência do pai a levou a tempos difíceis, Voilquin se tornou bordadeira. Em 1823 se casou e se uniu ao movimento São-simoniano, pioneiro do socialismo utópico. Em 1832, depois de se separar do marido, ela começa a editar La Tribune des Femmes, considerado o primeiro periódico conhecido das mulheres trabalhadoras. Ela escreveu sobre a injustiça do Código Civil Francês, que não incluía mulheres em assuntos públicos e defendeu a autossuficiência econômica. Em 1834, Voilquin atendeu ao chamado de divulgar a palavra do São-simonismo e viajou para o Egito, onde se tornou enfermeira. Mais tarde, ela foi para a Rússia e para os Estados Unidos, mas voltou à França em 1860 e morreu em Paris em 1877.
- DIREITO MATRIARCAL
Em 1861, o suíço Johann Bachofen sugeriu a existência de sociedades matriarcais na pré-história. Tal sociedade teria existido na Europa e na Ásia, pelo menos desde o ano 35.000 a.C. Mas os traços dessa cultura teriam sido progressivamente extintos a partir de 4.000 a.C., quando invasores vindos das estepes teriam tomado os continentes e introduzido a cultura da guerra e a sociedade patriarcal. Bachofen [2]publicou Das Mutterrecht (Direito Materno):
- Primitivamente, os seres humanos vivem em promisucidade sexual “impropriamente chamado de heterismo por Bachofen”;
- Essas relações incluiam toda possibilidade de estabelcer, com certeza, a paternidade, de modo que a filiação só podia ser contada por linha feminina, segundo o direito materno, e isso se deu em todos os povos antigos;
- Como consequencia, as mulheres, como mães, únicos progenitores conhecidos da jovem geração, gozavam de grande apresso e respeito, chegando, de acordo com Bachofen, ao domínio feminino absoluto (ginecocracia);
- A passagem para monogamia, em que a mulher pertence a um só homem, incida na transgressão de uma lei religiosa muito antiga (isto é, do direito imemorial que os outros homens tinham sobre aquela mulher), transgressão que devia ser castigada ou cuja tolerância se compensava com a posse da mulher por outros, durante determinado período.
A passagem do ‘’heterismo’’ para a monogamia e do direito materno para o paterno, segundo Bachofen, processa-se – particularmente, entre os gregos- em consequência do desenvolvimento das concepções religiosas, da introdução de novas divindades, representativas de ideias inéditas, no grupo dos deuses tradicionais, que eram a encarnação das velhas ideias; pouco a pouco os velhos deuses vão sendo relegados ao segundo plano pelos novos. Dessa maneira, pois, para Bachofen, não foi o desenvolvimento das condições reais de existência dos homens, mas o reflexo religioso dessas condições na mente deles, o que determinou as transformações históricas na situação social recíproca do homem e da mulher.
Aqui é possível identificar a gênesis do que veio a ser o pensamento feminista pós-moderno. A premissa da opressão gênero-específica como sendo uma repressão sexual da mulher no decorrer da História promovida por um patriarcado, um sistema opressor da mulher em detrimento da dominação de seu corpo, nasce de um mito defendido por um homem do século XIX, endossado por outros. Mas foi Engels, amigo e companheiro de escrita de Karl Marx, que mais disseminou essa ideia, o livro A origem da Família, da Propriedade Privava e do Estado, é até hoje referência para inúmeras linhas de estudos feministas que questionam a origem da opressão da mulher levando em conta essa leitura como a mais indicativa e aceitável.
Vale ressaltar que essa possível existência de uma fase matriarcal na história da civilização sugerida no século XIX chegou a ser considerada um fato histórico por importantes arqueólogos e antropólogos até meados do século XX. Ao longo dos últimos 20 anos, porém, houve uma reviravolta no debate, e hoje boa parte da comunidade científica tende a rejeitar a ideia. Fora da academia, porém, a convicção de que houve um passado onde as relações entre homens e mulheres eram igualitárias permanece forte entre os adeptos das religiões neopagãs e as feministas. Mas, ambos os grupos estão mostrando que são capazes de aceitar o revisionismo histórico sem renunciar a suas crenças fundamentais[3]. Em outras palavras, a teoria feminista está pautada em percepções idealistas do mundo e não está disposta a renunciar à sua cosmovisão.
- A FAMÍLIA PASSA A SER UM PROBLEMA
Segundo Van Creveld, ao longo da maior parte da História o trabalho foi considerado algo desagradável, difícil e humilhante. Consequentemente, era imposto como castigo, fosse na forma de escravidão, fosse na forma de corveias[4]. O autor afirma que:
- No início da Idade Moderna, a ideia de que o trabalho é algo positivo em si foi abraçada pela comunidade leiga, particularmente pelos protestantes. Conforme Martinho Lutero escreveu em uma de suas 95 teses, para os protestantes, “toda vida (era) penitência”[…] À parte a fé, talvez o principal meio de se penitenciar e chegar ao paraíso fosse trabalhar, na esperança de ficar rico e provar que se era o eleito de Deus. Mas isso implicava que o trabalho era difícil e desagradável e que a tentação de o abandonar era grande e constante.[Sexo Privilegiado pg.127]
Diante de uma sociedade que experimentava uma Revolução Industrial e trabalhava incansavelmente por baixos salários em meio a grande degradação moral, era comum que o pouco que as pessoas ganhavam se perdia na prostituição e bebedeira, enquanto isso, as famílias cristãs que se mantinham fiéis aos princípios bíblicos, prosperavam. Portanto, a força econômica das famílias cristãs, pautadas nos ideais da Reforma, vinha da crença de que a prosperidade financeira era um sinal da benção de Deus sobre eles, logo, faziam do trabalho um meio de exercer a fé. Porém, em meio aos conflitos sociais, as ideias marxistas começaram a ganhar força. Surgira uma nova forma de entender o mundo: ateísta materialista.
O filosofo da revolução dizia que a maneira como o indivíduo se comporta, age e sente está diretamente ligada a forma como se dão as relações sociais, sendo que as relações sociais são determinadas pela forma do modo de produção da vida material, isto é, pela maneira que os seres humanos trabalham e produzem os meios necessários para a sustentação. “A religião é o ópio do povo”, crenças ou manifestação religiosa – foram por Marx classificadas como alienação ou, pior, manipulação política visando conformar os dominados a diferentes formas de opressão política e/ou econômica.
O alemão Karl Marx elaborou uma cosmovisão completa. O Marxismo Comunista é o último grande sistema filosófico que se conhece, isso significa que o sistema conceitual marxista, ou seja, a maneira de ver o mundo e se entender nele defendida por Engels e Marx, traz uma narrativa absoluta. Com Genesis e Apocalipse a promessa de um Paraiso terreno movimentou o mundo.
Surge, então, a necessidade de questionar a origem da família, da propriedade privada e do Estado.
Duas afirmações básicas de Rousseau podem trazer uma visão geral do porquê algumas questões passaram a incomodar tanto os agentes do “progresso” e colocaram cristãos mais uma vez “contra cultura” na História:
- A origem da desigualdade entre os homens é fruto da propriedade privada;
- O homem nasce bom e a sociedade o corrompe.
Essas premissas contrastam diretamente com princípios fundamentais aos cristãos que creem que a desigualdade entre os homens é fruto da rebeldia contra Deus. Todo ser humano nasce em pecado e necessita de Cristo para reconciliar-se com o Pai. Uma vez reconciliado, os indivíduos passam a seguir os preceitos da fé e pautam toda sua vida nas Escrituras, são irmãos de uma família, portanto, cooperam entre si e se ajudam partilhando o pão. Além de que, para os cristãos, ter posses (propriedade privada) é um direito citado nos dez Mandamentos:
- Não cobiçarás a casa do teu próximo, nem a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu touro, nem seu jumento, nem qualquer coisa que pertença ao teu próximo. (Êxodo 20)
É importante lembrar que muitas comunidades cristãs desde o primeiro século mantinham fielmente seus princípios baseados nos ensinamentos de Cristo, consequentemente viviam “contra a cultura”. Na liturgia da metade do século II é possível observar como os princípios cristãos atuaram como um contraste à cultura dominante. Rute Salviano no livro Vozes Femininas no início do Cristianismo, escreve que “os cristãos se abstinham do mal e faziam o bem e de forma alguma abandonavam seus filhos”. A autora cita:
- O homem entre eles ou guarda uma continência perfeita ou, se se casa, não julga permitido enjeitar seus filhos, como comumente fazem os gentios, com aprovação dos filósofos e tolerância dos príncipes; […] com medo de que uma criança enjeitada pereça, e para não sermos homicidas, não casamos senão quando nos achamos em estado de poder criar os nosso filhos; e quando renunciamos ao casamento, guardamos perfeita continência. [CANTU, Césare. História universal, v.7, pg.165-166]
Rute expõe que para as comunidades cristãs a família era vista como célula da Igreja. Entre os chefes de famílias bem geridas se escolhiam os pastores. A educação dos filhos era responsabilidade tanto do pai quanto da mãe, mas a autoridade só era eficaz quando temperada por afeição: “nem tirania, nem negligência, mas mistura de firmeza e brandura, de autoridade e bondade, de moderação e encorajamento”.
- Na educação e nos deveres dos pais, não havia distinção entre meninos e meninas, o que contrastava com o mundo judaico, bem como com o greco-romano, que favorecia ultrajantemente o sexo masculino. [HAMMAN, A. G. Avida cotidiana dos primeiros cristãos, pg.202-203]
Todos aqueles que entenderam o Patriarcado Messiânico e depositaram sua esperança na Pessoa de Jesus Cristo viviam á partir da fé que professavam.
- Era dever fundamental dos pais educar os filhos de maneira cristã, fazê-los participar do tesouro da fé e discipliná-los de forma saudável em relação à moralidade. A valorização das crianças pelo evangelho não condizia com os costumes aceitos, por isso afirma-se que o cristianismo trouxe uma moral mais excelente para sua época. [SALVIANO, pg.79]
Por conta da grande diferença que as famílias cristãs fizeram na História, e posteriormente pela força que a Igreja Romana e Ortodoxa, exerceram; assim como, posteriormente, as transformações importantes que a Reforma Protestante trouxe na sociedade, ainda que com erros e exageros, foi através dessa influência que as ciências históricas por muito tempo estavam sob os Cinco Primeiros Livros de Moisés – O Pentateuco. Tudo que se sabia sobre os arranjos familiares vinha dos registros bíblicos – descontando a poligamia que apareceu em determinados contextos dessa narrativa – a família não apresentava quase nenhuma evolução histórica.
A necessidade de questionar a origem da família surge junto a necessidade da busca por uma sociedade igualitária sem a influência da religião cristã. A utopia de que era possível viver em uma grande comunidade promovendo a socialização dos bens (socialismo) incentivou uma luta pelo fim da vida privada em busca desse “Paraíso Terreno” feliz onde os males sociais desapareceriam e o homem poderia finalmente viver em plenitude, já que o indivíduo nasce bom, a sociedade o corrompe e a origem da desigualdade estava na propriedade privada, o comunismo (do latim communis, comum, universal) era o próximo estágio que a humanidade deveria alcançar.
- SOCIALISMO CIENTÍFICO
Marx e Engels eram socialistas e estavam interessados em superar os obstáculos que a sociedade capitalista colocava ao livre desenvolvimento das potencialidades humanas.
Enquanto os socialistas utópicos ficaram imaginando uma transformação social e movimentando pequenas comunidades em torno de seus ideais, esses dois amigos burgueses resolveram desenvolver um método para alcançar o comunismo.
O socialismo científico, também conhecido por socialismo marxista ou simplesmente marxismo é o nome usado por Friedrich Engels para descrever a teoria sócio-político-econômica elaborada por Karl Marx (1818-1883) no século XIX. Em meio aos movimentos de esquerda da nascente ideologia socialista, a corrente utópica e a marxista disputavam a preferência dos militantes à época.
A origem desta teoria é traçada a partir da publicação, no ano de 1848, do livro “Manifesto Comunista”. Marx e Engels enaltecem os utópicos pelo seu pioneirismo, mas defendem uma ação mais prática e direta contra o capitalismo através da organização da revolucionária classe proletária. Para a formulação de suas teorias, Marx sofreu influência de Hegel e dos socialistas utópicos. Segundo Marx a infraestrutura, modo como tratava a base econômica da sociedade, determina a superestrutura que é dividida em ideológica (ideias políticas, religiosas, morais, filosóficas) e política (Estado, polícia, exército, leis, tribunais). Portanto a visão que temos do mundo e a nossa psicologia são reflexo da base econômica de nossa sociedade.
- DIALÉTICA MATERIALISTA
A base de toda teoria marxista está em um conceito chamado de dialética materialista.
A palavra dialética vem do grego e significa “duas opiniões divergentes”. E, o materialismo é uma doutrina que tem por base a matéria como explicação de todos os fenômenos naturais, sociais e mentais.
Para os filósofos gregos, dialética era a arte do diálogo. Para um dos filósofos mais influentes na carreira de Marx, Hegel, dialética é uma forma de pensar a realidade em constante mudança por meio de termos contrários que dão origem a um terceiro, que os concilia. A dialética compõe-se, assim, de três termos:
- Tese
- Antítese
- Síntese
Tese (A) é uma afirmação; antítese (B), é uma afirmação contrária, e síntese (C), como o nome indica, é o resultado da síntese entre as duas primeiras. A síntese supera a tese e a antítese (portanto, é algo de natureza diferente), ao mesmo tempo em que conserva elementos das duas e conduz a discussão, nesse processo, a um grau mais elevado. E, na sequência, dá origem a uma nova tese, que inicia novamente o ciclo.
O pensamento materialista de Marx se difere da concepção de que o ser humano podia ser pensando de forma abstrata, como Hegel pensava, por exemplo. Para ele, o ser humano é formado a partir das relações sociais, por isso, sua concepção é materialista. O filosofo dizia que a maneira como o indivíduo se comporta, age e sente está diretamente ligada à forma como se dão as relações sociais.
Sendo que essas relações sociais são determinadas pela forma do modo de produção da vida material, isto é, pela maneira como os seres humanos trabalham e produzem os meios necessários para a sustentação.
A dialética marxista parte da dialética helegiana, mas, segundo o que o próprio Marx escreve no prefácio da segunda edição de O Capital, “meu método dialético não só difere do helegiano, mas é também a sua antítese direta”.
O que Marx trouxe de original foi uma análise dialética das relações sociais e econômicas (as bases materiais e concretas da sociedade) que formavam uma estrutura que explicava fatos históricos e culturais.
Podemos resumir a dialética de Marx em dois pontos:
- Materialista: porque é na economia, na produção, e no trabalho do ser humano que se constrói a história;
- Histórica: porque é fruto da ação humana no decorrer dos séculos.
A dialética de Marx permite compreender a história em seu movimento, em que cada etapa é vista não como algo estático, mas como algo transitório, que pode ser transformado pela ação humana. Para ele o mundo se reorganizava em ciclos advindos de conflitos: tese x antítese = síntese (fim de um clico) – nova tese (início de um novo ciclo).
Em meio à Revolução Industrial, em que uma massa de trabalhadores vivia em condições deploráveis nas grandes cidades, o que estimulava o crescimento de movimentos socialistas e anarquistas em toda a Europa, Marx via a sociedade capitalista, funcionando com base no antagonismo entre duas classes: a burguesia, que detinha os modos de produção (fábricas, empresas, terras, comércio, etc.), e o proletariado, trabalhadores que vendiam sua força de trabalho.
As crises do capitalismo, então, decorreriam dos conflitos entre burguesia e proletariado, e seria o prenúncio de uma superação dialética da economia política. Portanto, a burguesia seria a tese – e o proletariado, sua antítese. A síntese seria a superação da sociedade de classes por uma sem classes, a nova tese: o comunismo.
Portanto, para os marxistas todos as transformações sociais já ocorridas na humanidade vinham de revoluções que deram fim aos ciclos que foram superados por novos ciclos que formaram um novo arranjo social. Opressores x oprimidos – homens lutando para manter suas propriedades privadas, homens tentando dominar uns aos outros por conta das riquezas e os meios de produção, consequentemente, as mulheres foram dominadas e tiveram sua sexualidade reprimida para garantir a continuidade no herdeiro.
Nessa cosmovisão, a revolução da burguesia contra o antigo regime deu origem ao sistema capitalista, que é uma síntese opressora que precisa ser superada por uma nova revolução. O proletariado como novo oprimido, descobrira no socialismo o fim de toda opressão, se todos os homens ganhassem igual, socializassem os bens e todas os arranjos sociais fossem comunitários, inclusive as relações sexuais, não haveria mais opressão. Logo, a classe trabalhadora precisava fazer uma revolução a todo custo, deveriam assumir o poder para instaurar o comunismo, o início de uma nova tese.
Ao assumirem seu papel histórico e dialético, os trabalhadores instituiriam, no lugar do sistema capitalista, a ditadura do proletariado, que seria um Estado provisório a ser superado pelo comunismo. Na prática, no entanto, a ditadura do proletariado não passou de ditadura. Mas, foram esses ideais que impulsionaram parte do mundo a promover suas revoluções, incluindo a URSS durante a Revolução Russa de 1917, considerada por Wendy Goldman o cenário da Primeira Primavera Feminista.
Os bolcheviques foram além de garantir às mulheres os mesmos direitos dos homens. Segundo a historiadora americana Wendy Goldman, a União Soviética, tornou-se o primeiro país do mundo a garantir às mulheres o direito ao aborto legal. Dois anos antes, em 1918, o Código da Família, promulgado pelos bolcheviques, havia instituído o casamento civil em substituição ao religioso e estabelecido o divórcio a pedido de qualquer um dos cônjuges. O governo que emergiu da Revolução comunista de 1917 também incentivou a educação feminina e encorajou as mulheres a assumirem os mesmos postos de trabalho que os homens pelos mesmos salários. Os ideais de emancipação da mulher e amor livre que inspiraram o movimento feminista ocidental nos anos 60 e 70 já eram debatidos nos primeiros anos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), na década de 20. Nesta década, as mulheres soviéticas começaram a ocupar mais e mais postos de trabalho nas indústrias, as creches e restaurantes estatais se encarregavam das tarefas antes consideradas domésticas. As novas condições materiais somadas à facilidade para se casar e se divorciar e o acesso ao aborto permitiram o surgimento de novos arranjos familiares, baseados no amor livre, e não na (suposta) ”dependência econômica”.
Nesse contexto o nome mais evidente é de Alexandra Kollontai, fortemente influenciada pela raiz revolucionária, denunciava o casamento e a família burguesas como grilhões que oprimiam a mulher:
- Para se tornar verdadeiramente livre, a mulher deve desatar as correntes que a aprisionam sobre a forma atual, antiquada e opressiva da família (…) as formas atuais, estabelecidas pela lei e o costume, da estrutura familiar faz com que a mulher esteja oprimida não só como pessoa, mas também como uma esposa e mãe (…) E onde acaba a escravatura familiar oficial, legalizada, começa a ‘opinião pública’ para exercer os seus direitos sobre as mulheres.[5]
Kollontai denunciava de forma implacável a “hipócrita dupla moral”, que julga de forma severa a conduta de uma mulher que vive livremente sua sexualidade enquanto ao homem tudo é permitido: “A mulher está privada do direito de um cidadão de levantar a voz para defender seus interesses pisoteados, e (a sociedade) tem a grande bondade de oferecer esta alternativa: ou o jugo conjugal ou a prostituição, que abertamente é desprezada e condenada, mas secretamente, apoiada e sustentada”. Para Alexandra Kollontai, era tarefa da classe trabalhadora lutar contra a opressão sexual vivida pelas mulheres:
- Não há nenhuma razão para nos enganarmos: a família normal dos tempos passados na qual o homem era tudo e a mulher era nada – posto que não tinha vontade própria, nem tempo do qual dispor livremente -, este tipo de família sofre modificações dia a dia, e atualmente é quase uma coisa do passado, o qual não deve nos assustar. Seja por erro ou ignorância, estamos dispostos a crer que tudo o que nos rodeia deve permanecer imutável, enquanto tudo o mais muda. ‘Sempre foi assim e sempre será’. Esta afirmação é um erro profundo. A moral a serviço do homem atual o autoriza exigir das jovens a virgindade até seu casamento legítimo. Porém, não obstante, há tribos em que ocorre o contrário: a mulher tem orgulho de ter tido muitos amantes e enfeita braços e pernas com braceletes que indicam o número… Diversos costumes, que a nós nos surpreendem, hábitos que podemos, inclusive, qualificar de imorais, outros povos o praticam, com a sanção divina, enquanto que, por sua parte, qualificam de ‘pecaminosos’ muitos de nossos costumes e leis. Portanto, não há nenhuma razão para que nos aterrorizemos diante do fato de que a família sofra uma mudança, porque gradualmente se descartem vestígios do passado vividos até agora, nem porque se implantam novas relações entre o homem e a mulher. Sobre as ruínas da velha vida familiar, veremos ressurgir uma nova forma de família que suporá relações completamente diferentes entre o homem e a mulher, baseadas em uma união de afetos e camaradagem, em uma união de pessoas iguais na sociedade comunista, as duas livres, as duas independentes, as duas operárias. Não mais ‘servidão’ doméstica para a mulher! Não mais desigualdade no seio da família! O matrimônio ficará purificado de todos seus elementos materiais, de todos os cálculos de dinheiros que constituem a repugnante mancha da vida familiar de nosso tempo. O matrimônio se transformará de agora em diante na união sublime de duas almas que se amam, que se professem fé mútua” [6]
Em discurso às operárias, ela fala do avanço e dos limites do que se tinha alcançado (ouça o áudio deste discurso completo e com legendas em português).
No entanto, “a experiência dessa liberdade foi muito dolorosa para as mulheres”, afirma Goldman. A irresponsabilidade masculina tornou as mulheres mais conservadoras. Elas passaram a exigir o fortalecimento da família e que os homens fossem obrigados a pagar pensão alimentícia, já que o Estado soviético não tinha recursos para cuidar de todos os filhos do amor livre. Ou seja, voltaram a ”estaca zero”. As mulheres queriam suas famílias de volta. A ”dependência financeira” atribuída a submissão feminina ao seu cônjuge, agora era Estatal e não pareceu mudar muita coisa para melhor.
- ONDE COMEÇA O FEMINISMO?
A historiadora e filósofa francesa Geneviève Fraisse, em seu livro “Musa da razão: a democracia excludente e a diferença dos sexos” (1989), afirma que o adjetivo “feminista”, foi utilizado pela primeira vez para fins políticos e jornalísticos por Alexandre Dumas Filho, em seu panfleto “O homem-mulher”, de 1872, um escrito no qual debate, entre outros temas, o adultério, e se posiciona contra o divórcio.
Segundo Beatriz Preciado, Dumas por sua vez retira a palavra de uma tese médica chamada “Sobre o feminismo e o infantilismo na tuberculose” (1871), escrita por Ferdinand-Valère Faneau de la Cour. Nela, o médico afirmou que muitos homens doentes de tuberculose tinham traços “infantis e feministas” como “o cabelo fino, cílios longos, pele macia e branca, barba rala, órgãos genitais pequenos, mamas volumosas…”.
- O texto de Faneau La Cour teve bastante sucesso de mídia e Alexandre Dumas Filho, jornalista muito ativo na época, utiliza a noção de feminista para desqualificar os homens que apoiavam a causa das cidadãs. Homens que, segundo Dumas, corriam o perigo de sofrer um processo de feminilização semelhante ao que sofriam os tuberculosos”, disse Preciado durante sua intervenção no seminário “Corpo Impróprio”, realizado em novembro de 2011, na Universidade Internacional da Andaluzia. [BARBA. O que é feminismo?]
Fica claro que já no século XIX “a causa das cidadãs” foram identificadas como feminismo devido a um termo médico usado de forma pejorativa em um panfleto em que o adultério e o divórcio eram criticados, ou seja, dá entender que essas causas defendidas por homens e mulheres ‘’feministas’’ eram nutridas por uma raiz revolucionária socialista.
Se o termo feminista foi usado incialmente para identificar um conjunto de ideias específicas, que afloraram de forma política organizada na Revolução Bolchevique e depois reapareceram nos Estados Unidos na década de 60 como um movimento, podemos dizer que independente da divisão em Três Ondas que historiadoras militantes fazem, a História nos mostra que há uma raiz ideológica, filosófica, política e espiritual que compõem o movimento feminista, e essa raiz é revolucionária, mas não é apenas uma revolução da mulher contra as estruturas sociais, nem uma guerra da mulher contra o sexo oposto, é uma revolução da mulher contra o próprio Deus.
[1] Resumo sobre a vida de Wollstonecraft
[2] A origem da Família, da Propriedade privada e do Estado. Engels, pg.13
[3] Matriarcado História ou mito? Edição 165 – Abr/05
[4] Na França feudal, serviços gratuitos que se prestava ao soberano ou ao senhor.
[5] Os Fundamentos Sociais da Questão Feminina (Extratos,) Alexandra Kollontai, 1907
[6] O Comunismo e a Família, Alexandra Kollontai, 1920