A raiva pode ser um sentimento produtivo. Isso quem diz é a psicanálise e o feminismo.
Há vários sentimentos por trás da onda verde pela legalização do aborto na América Latina e no Caribe – um deles é a raiva nascida do luto de irmãs, mães e filhas mortas pelo aborto clandestino em nossos países, é o que diz Débora Diniz, uma antropóloga, professora universitária, pesquisadora, ensaísta, e documentarista brasileira que desenvolve projetos de pesquisa sobre bioética, feminismo, direitos humanos, e saúde; segundo ela a descriminalização do aborto é: “Questão de tempo”. Ela ainda declara:
Você pode ser uma feminista religiosa ou astróloga, ateia ou mística – só não pode querer que suas crenças sobre o bem-viver devam ser a pauta moral do feminismo. Por isso, não há isso de feminista “contra o aborto”. Há uma contradição de valores nessas duas afirmações sobre si mesma. Ou você é feminista e acredita que cada mulher deva decidir sobre sua própria vida, ou você não é uma feminista. Você só não será bem acolhida na ampla comunidade feminista se suas crenças restringirem os direitos de outras mulheres: não há como ser uma feminista e defender a cadeia como o destino das mulheres que façam aborto, ou seja, ser contra o aborto.
Nas palavras das feministas mais engajadas fica claro que o movimento é um sistema conceitual, ou seja, é um conjunto de pensamentos baseados em princípios e valores fundamentais, no caso, o aborto é um desses princípios inegociáveis.
Para antropóloga ”as bandeiras azuis das comunidades de fé terão dificuldades para converter a nova geração de mulheres que entrará nas universidades, chegará ao mundo do trabalho ou viverá a maternidade com a memória de ter estado nas ruas com muitas milhares de outras mulheres convictas de que prender mulheres por aborto é injusto.” – a declaração foi feita em 2018 logo após uma grande movimentação feminista na Argentina em favor da descriminalização do aborto. Ela segue argumentando: “Entre nós, há coragem. Não temos medo de quem nos ameaça, ignoramos quem nos amaldiçoa com fogueira eterna. Há vários rostos para inspirar a nossa coragem. O meu é o de Ingriane Barbosa, a jovem babá negra do Rio de Janeiro, que morreu com um talo de mamona no útero ao tentar desesperadamente um aborto. Esse discurso feminista de que “em nome do sagrado direito à vida, mulheres morrem” – eu diria que, elas patrocinam a própria morte, na busca de matar um ser humano em processo de formação.”
Longe de mim “festejar” a morte de alguém. Mas é importante destacar que a barbárie, faz parte do contexto psicopata em que casos como os citados pela antropóloga, acontecem. Assustador, e muito repugnante, em todos os âmbitos, diga-se de passagem. Mas fazendo uma análise fria dos fatos. A vida de quem tem mais valor? A de uma mulher adulta, com direito de escolha, ou a de um ser humano em processo de formação? Quem responde pelo direito de nascer, ou pelo direito de continuar a existir? Não estamos diante de um paradoxo?
A mulher que escolhe submeter-se a um procedimento primeiramente ilegal, de condições precárias, dispondo-se a usar um talo de mamona afim de exterminar qualquer possibilidade de vir a existir de um ser humano em processo de formação. Tendo total consciência dos métodos anticoncepcionais e preventivos disponíveis no mercado, de preço absurdamente inferior ao que ela se dispõe a pagar para pintar os cabelos. Se torna vítima de quem, senão de sua própria ignorância, insensatez e irresponsabilidade?
Observe os casos de mulheres que não interrompem a gravidez, mas que engravidam diante da mesma irresponsabilidade dessas abortistas. São aquelas que jogam seus bebês em latas de lixo, enterram os recém nascidos vivos, jogam seus bebês no rio. A disposição de matar é a mesma. O desapego ao filho gerado por irresponsabilidade e insensatez é o mesmo. O problema não está na lei, e sim na mulher que não assume a responsabilidade de seus atos. Por isso é absurda a ideia de que a solução estaria no Estado bancar essa irresponsabilidade, concedendo-lhes o direito de matar. Por que feministas não promovem a retirada do útero? Por que não lutam pela facilitação da laqueadura? Curiosamente, não vemos nenhuma dessas lideranças pró-aborto, com real interesse no assunto.
Fico pensando na hipocrisia que carrega uma pessoa que tem espaço em um jornal de grande circulação, capaz de cinicamente apontar a solução para o fim da morte de mulheres irresponsáveis, para o “aborto legal”.
A solução para acabar com a morte, é morte?
A mulher citada por Debora Diniz tinha consciência de como engravidar, e mesmo assim assumiu o risco, não uma, mas duas vezes. Primeiro ao invés de prevenir-se, optou pelo sexo sem segurança. Ignorou métodos preventivos, que são distribuídos gratuitamente. Segundo, optou por colocar a própria vida em risco notório, já que usou um método totalmente impróprio para tentar dar fim ao filho. O risco foi assumido única e exclusivamente por essa mulher, que era adulta e responsáveis pela própria vida.
Acusar os conceitos cristãos de defesa a vida. Tentar demonizar e responsabilizar a Igreja pela irresponsabilidade e insensatez de pessoas adultas, que fizeram suas escolhas em livre e espontânea vontade, é atestado de insanidade.
“2020 será o ano do aborto legal, não temos dúvida quanto a isso, é irreversível que se torne lei”, diz María Florencia Alcaraz
A campanha pela descriminalização do aborto na Argentina tem se fortalecido, e a “onda verde” – que ficou conhecida assim pelo uso do pano verde como símbolo – tem ganhado as ruas do país há mais de dez anos. Fruto de muitos encontros, reuniões e assembleias entre diversas frentes do movimento feminista, o lema é “educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer” e se refere principalmente ao suposto alto número de mortes de mulheres em abortos ilegais inseguros.
Na Argentina, foram realizadas assembleias durante todo o mês de fevereiro, como vem ocorrendo ao menos desde 2016. As assembleias são o processo para construir as manifestações da “Ni una a menos”, que se tornaram massivas. Agora participam diferentes organizações da sociedade civil, como grupos feministas, de direitos humanos, políticos, partidos políticos, sindicatos, estudantes secundaristas e universitárias, mulheres lésbicas, travestis, mulheres trans e pessoas não binárias.
Na Argentina, o feminismo foi a principal oposição aos governos à direita, situação que está acontecendo em todo o continente. Foi assim com Trump, nos EUA: as primeiras a se mobilizarem foram as feministas. No Uruguai, onde a direita acaba de conquistar o governo, as feministas também se destacam como um movimento dinamizador da política e da oposição. No Chile, a performance das Las Tesis e a participação do ativismo feminista foram fundamentais para denunciar os abusos do Estado e inoperância do presidente Piñera ante uma situação de crise. No Brasil também houve grandes mobilizações contra Bolsonaro por grupos feministas.
Segundo Alcaraz, o feminismo é a principal oposição aos governos de direita e fundamentalistas que há na América do Norte e América Latina no momento.
Para saber como coletivos feministas fazem as contas e inflam os números de abortos, além da História da cultura da morte, assista a palestra de Renata Gusson.